terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

FUNDAMENTALISMO


Fundamentalismo


No conceito de Frei Leonardo Boff

"Trata-se de uma tendência de fiéis, pregadores e teólogos que tomavam as palavras da Bíblia ao pé da letra (o fundamento de tudo para a fé protestante é a Bíblia). Se Deus consignou sua revelação no Livro Sagrado, então tudo, cada palavra e cada sentença, devem ser verdadeiras e imutáveis. Em nome do literalismo, esses fiéis opunham-se às interpretações da assim chamada teologia liberal. Esta usava e usa os métodos histórico-críticos e hermenêuticos para interpretar textos escritos há 2-3 mil anos. Supõe-se que a história e as palavras não ficaram congeladas. Precisam ser interpretadas para resgatar-lhes o sentido original. Esse procedimento para os fundamentalistas é ofensivo a Deus. Por razões semelhantes, eles se opõem aos conhecimentos contemporâneos da história, das ciências, da geografia e especialmente da biologia que possam questionar a verdade bíblica."

Para o fundamentalista, a criação se realizou mesmo em sete dias. O cristianismo detém o monopólio da verdade revelada. Jesus é o único caminho para a salvação. Fora dele há somente perdição. Daí o caráter militante e missionário de todo fundamentalista. Face aos demais caminhos espirituais ele é intolerante, pois eles significam simplesmente errância. Na moral é especialmente rigoroso, particularmente no que concerne à sexualidade e à família. É contra os homossexuais, o movimento feminista e os movimentos libertários em geral. Na economia é conservador e na política sempre exalta a ordem e a segurança a qualquer custo.

O fundamentalismo protestante ganhou relevância social a partir dos anos 50 com as Eletronic Church. Pregadores nacionalmente famosos usam o rádio e a televisão em cadeia para suas pregações e campanhas conservadoras. Sob Ronald Reagan, significaram um fator político determinante. Combatem abertamente o Conselho Mundial de Igrejas em Genebra (que reúne mais de duas centenas de denominações cristãs) e todo tipo de ecumenismo, tidos como coisa do diabo."

Cegos - Não se há de sorrir nem de chorar. Mas de procurar entender. Todos os fundamentalismos, não obstante o variado matiz, possuem as mesmas constantes. Trata-se sempre de um sistema fechado, feito de claro e de escuro, inimigo de toda diferenciação e cego face à lógica do arco-íris, em que a pluralidade convive com a unidade. Cada verdade se encontra indissoluvelmente concatenada à outra. Questionada uma, desaba todo o edifício. Daí a intolerância e a lógica linear. Daí sua força de atração para espíritos sedentos de orientações claras e de contornos precisos. Para o fundamentalista militante a morte é doce, pois transporta o mártir diretamente ao seio materno de ''Deus'', enquanto a vida é vivida como oportunidade de cumprir a missão divina de converter ou exterminar os infiéis. O grupo é o lar da identidade, o porto da plena segurança e a confirmação de estar do lado certo.

Como enfrentar os fundamentalistas? Estes são praticamente inacessíveis à argumentação racional. Nem por isso deve-se renunciar ao diálogo, à tolerância e o uso da razão para mostrar as contradições internas, subjacentes ao discurso e à prática fundamentalista. Por detrás do fundamentalismo político vigora uma experiência dolorosa de humilhação e de prolongado sofrimento. E procura-se infligir a mesma coisa ao outro, o que é manifestamente contraditório.


Frei Leonardo Boff -
Pensador da Teologia da Libertação

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No conceito de Antônio Flávio Pierruci

...O termo nasceu, sim, em contexto religioso. De fato, sua origem é cristã, não islâmica, e desde o início o nome foi usado para designar um movimento cristão: o fundamentalismo protestante. Tanto a coisa quanto o nome "fundamentalismo" surgiram e se firmaram nas primeiras décadas do século passado, nos Estados Unidos: 1910, 1914, 1919, 1920, 1925 são datas marcantes da primeira onda fundamentalista.

Como figura histórica original, o fundamentalismo é cristão, ocidental e protestante. Mais especificamente, filho do protestantismo conservador do sul dos Estados Unidos. O estado do Tennessee é seu ícone geográfico.
Designação fortemente pejorativa hoje em dia, é curioso como a palavra inglesa fundamentalism foi, de início, um nome orgulhosamente auto-aplicado por seus próprios portadores para se distinguir dos protestantes "liberais", deturpadores da "verdadeira" fé cristã revelada na Bíblia. Uma autodesignação orgulhosa de si e não, como hoje soa, uma acusação que a faz sinônimo de morbidez fanática, um insulto dirigido a terceiros demarcando uma alteridade.

A profissão de fé fundamentalista, que emerge numa declaração da igreja presbiteriana em 1910, continha cinco pontos fundamentais: a veracidade absoluta da Bíblia; o nascimento virginal de Jesus; a ressurreição física de Jesus; a autenticidade de seus milagres, prova de sua divindade; a expiação dos pecados pelo sacrifício de Cristo tornando desnecessária a expiação pelas obras. Seu objetivo básico era defender o princípio da plena inspiração divina da Bíblia.

Para os fundamentalistas, a Bíblia foi totalmente inspirada por Deus, tintim por tintim, em todas as particularidades e minudências. Por isso a Bíblia não erra, não pode errar: esta é a doutrina da "inerrância bíblica", noutras palavras, da infalibilidade da letra das Escrituras, da autoridade inquestionável daquilo que está escrito na Bíblia, e do modo como está escrito. Se está escrito na Bíblia que Deus, para criar o homem, primeiro fez um boneco de barro e em seguida insuflou-lhe a vida, é porque foi assim mesmo que aconteceu e ponto final.

Estando escrito no Livro sagrado, não há o que discutir: assim pensa o fundamentalista protestante (e, por extensão, o judeu fundamentalista em relação à Torá, o muçulmano fundamentalista em relação ao Alcorão, o católico fundamentalista em relação aos dogmas pontifícios e conciliares promulgados em latim). É como pensa todo e qualquer fundamentalista: a coisa - seja a narração de um fato ou a definição de um princípio - tem que constar de uma escritura divinamente calçada para assim poder servir de base segura nas dúvidas e controvérsias.

A palavra escrita por inspiração divina, em vez de ser o ponto de partida para especulações intelectuais, discussões doutrinárias e controvérsias teológicas, deve ser tratada e reverenciada como o tira-dúvidas último, o tira-prosa nas discussões.
Para que haja fundamentalismo numa religião é necessário, portanto, que haja uma escritura divinamente revelada ou assistida, de preferência por um Deus único. Como atitude e estrutura de pensamento, o fundamentalismo é monoteísta de berço e constituição.

Em seu DNA estão inscritos dois traços distintivos básicos: o apego literal à Bíblia e o monoteísmo. Sua preocupação primeira é com a verdade única revelada pelo Deus único no Livro sagrado.
Noutras palavras, fundamentalista é quem se apega à letra da palavra revelada como sendo a única verdade, quem nutre a convicção de que o texto escriturístico está livre de erros humanos, e só a interpretação literal tem cabimento e validade. Quer dizer que só pode ser fundamentalista quem erige na centralidade de sua fé a letra, a literalidade de uma Escritura Sagrada divinamente inspirada por um Deus único. Antes de ser fundamentalista é preciso ser monoteísta.

O muçulmano pode ser fundamentalista, o judeu, o protestante, até mesmo o católico. Já o hindu ou o taoísta, dificilmente. Para o adepto do candomblé ou da umbanda, religiões sem livro sagrado, é impossível ser fundamentalista.
Um cristão fundamentalista, quando bebe diretamente no texto bíblico, pode de repente topar com a máxima "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" e encontrar nessas palavras de Jesus uma boa razão para separar a autoridade religiosa do governo.

Hoje, no mundo muçulmano, os diversos grupos fundamentalistas são político-religiosos, não somente religiosos. São todos eles partidários de um retorno ao texto do Alcorão para aí, na fonte, beber os referenciais religiosos, morais, sociais e políticos do renascimento da "era muçulmana", do "islã como cultura total".

Todos convergem na concepção de que a conquista do poder político é uma ferramenta indispensável para a implantação do "verdadeiro" islã, o islã total. Eis aí, nessa passagem ao político, nessa escolha da conquista do poder do Estado como escala obrigatória na rota de um projeto civilizador total, uma outra dimensão na qual o ativismo islâmico revigora seu coração justamente e, com isso, partilha esta característica própria do integrismo religioso: a de implementar a verdadeira religião em todas as esferas da vida.


Nesta ponta o fundamentalismo islâmico encontra seu lado inevitavelmente integrista. É que o ímpeto caracteristicamente fundamentalista de ir em busca das origens primeiríssimas, de revalorizar a letra do Alcorão e aí reencontrar a inspiração original, termina por jogá-lo de volta à idade de ouro, ao momento fundador triunfal da conquista militar de Meca, em 630.

E aí, então, o que se redescobre para reavivar e reviver é um islã inseparavelmente religião-e-política, uma teocracia holista e monista: uma coletividade político-religiosa sob domínio da Lei, só que esta Lei é divina e imutável. Intocável. Durma-se com um barulho desses.


Antônio Flávio Pierucci professor do Departamento de Sociologia da USP, especialista em sociologia da religião e teoria sociológica alemã.

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O fenômeno fundamentalista

Segundo a Enciclopeida Wikipedia


Embora o termo fundamentalismo popularmente empregado refira-se pejorativamente a qualquer grupo de religioso de infringente de uma maioria, ou refira-se a movimentos étnicos extremistas com motivações (ou inspirações) só nominalmente religiosas, o termo tem um conotação bem precisa . Fundamentalismo "é um movimento que objetiva voltar ao que é considerado princípios fundamental (ou vigente na fundação) da religião.

Especificamente, refere-se a qualquer enclave religioso que intencionalmente resista a identificação com o grupo religioso maior do qual diverge quanto aos princípios fundamentais dos quais imputa ao grupo religioso maior ter-se desviado ou corrompido pela adoção de princípios alternativos hostis ou contraditórios à identidade original.
A formação de uma identidade separada é julgada necessária por causa de uma percepção de que a comunidade religiosa perdeu a habilidade de se definir em termos religiosos, julgam que os "fundamentos" da religião foram perdidos por negligência ou desatenção configurando ato de separatismo ou divergência em termos estranhos impróprios e hostis à própria religião.

A comunidade religiosa entretanto vê aos fundamentalistas como dissidentes e a controvérsia por vezes tem sido a razão suficiente para a formação de novas seitas e religiões, mas, freqüentemente são fundados grupos fundamentalistas com o objetivo de manter e guardar fiel e rigidamente os princípios religiosos ditos desnaturados e forçar uma aproximação interna com o mundo moderno atendendo aos referidos princípios fundamentais.

Não raro isto se passa individualmente com religiosos mais zelosos e conscientes, que, independentemente da formação de grupos ativos continua a proceder e atender aos princípios fundamentais de modo conservar a doutrina em adotando-a como prática de vida.


Este fenômeno ocorreu e legou o uso do termo dos Fundamentalista Cristãos que surgiram no início do século XX com o protestantismo dos Estados Unidos, com a publicação do livro Os Fundamentos, livro que foi patrocinado por empresários e escritos por eruditos evangélicos conhecidos da época (recentemente uma tradução des livro foi publicada no Brasil pela Editora Hagnos).


O padrão do conflito entre os Fundamentalista Cristãos e os Cristãos modernos no cristianismo protestante tem notável aplicação comparativa às outras comunidades religiosas, e em seu uso como uma descrição destes aspectos correspondentes em caso contrário movimentos religiosos diversos o termo "fundamentalista" se tornou mais que só um termo qualquer um de ego-descrição ou de desprezo pejorativo.


Fundamentalismo é então um movimento pelo qual os partidários tentam salvar identidade religiosa da absorção pela cultura ocidental moderna, na qual a absorção tem proporção de um processo irreversível na comunidade religiosa mais ampla, necessitando da afirmação de uma identidade separada baseada nos princípios fundamentais da religião. Os fundamentalista acreditam que a sua causa é de grave e cósmica importância. Eles vêem a si mesmo como protetores de uma única e distinta doutrina, modo de vida e de salvação.

A comunidade, compreensivelmente centrara-se num modo de vida preponderantemente religioso em todos os seus aspectos, é o compromisso dos movimentos fundamentalistas, e atrai então não apenas os que compreendem a distinção mas também outros insatisfeitos e os que julgam que a dissidência é distintiva, sendo vital à formação de suas identidades religiosas.
O muro de virtudes fundamentalista que protege a identidade do grupo é instituído não só em oposição a religiões estranhas, mas também contra os modernizadores com os quais compactuam, continuar numa versão nominal da sua própria religião.

No cristianismo, o fundamentalismo foi uma reação contra o modernismo que estava começando a se espalhar nas igrejas dos Estados Unidos e uma afirmação na inspiração divina e inerrância da Bíblia e ressureição e retorno de Jesus Cristo, doutrinas consideradas fundamentais do Evangelho (daí o nome fundamentalista) que os teólogos modernistas já não criam que eram verdadeiras.



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sp-31/01/2005

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